O Congresso Nacional — Câmara e Senado — concluiu nesta sexta-feira (20) a votação do pacote fiscal enviado pelo governo com medidas para equilibrar as contas públicas.
A aprovação dos textos ocorreu no
apagar das luzes dos trabalhos legislativos. O recesso começa neste sábado
(21), e os parlamentares só voltam à atividade em fevereiro.
Para o governo, era de suma
importância a aprovação antes do recesso. Isso porque a gestão do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva está
precisando sinalizar para os agentes econômicos que tem responsabilidade fiscal
e não vai deixar a dívida pública disparar.
As incertezas em relação ao
compromisso do governo com a contenção de gastos e as dúvidas sobre a eficácia
do pacote causaram nervosismo no mercado financeiro nos últimos dias. A cotação
do dólar — tradicional termômetro para o humor dos investidores — vem renovando
sucessivos recordes históricos nos últimos dias e chegou a bater os R$ 6,30.
Nesta sexta, o valor cedeu, após
intervenções do Banco Central com leilão de dólares.
Alguns pontos do pacote foram
desidratados por Câmara e Senado, o que causa impacto no valor da
economia com o pacote de gastos. Inicialmente, o governo previa poupar R$ 375
bilhões em 5 anos. Nos cálculos do Ministério da Fazenda, as mudanças impostas
por deputados e senadores não desfiguram tanto as medidas e não causam perdas
significativas no corte de gastos.
Entenda abaixo o que dizem os
principais pontos do pacote aprovado e o que muda para o cidadão:
Um
dos projetos do pacote altera os parâmetros para valorização real do salário
mínimo.
➡️Atualmente, a política de valorização leva em
conta a soma da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor
(INPC) em 12 meses até novembro, com o índice de crescimento real do Produto
Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores.
➡️A nova regra fixa que a alta do salário mínimo
continua prevendo um aumento acima da inflação com base no PIB, mas ficará
limitado ao crescimento das despesas dentro do arcabouço fiscal, que crescem no
máximo 2,5% ao ano.
➡️A regra também define o crescimento mínimo do
salário, que deve ser de 0,6% ao ano. Ou seja, descontada a inflação, o salário
mínimo deve crescer entre 0,6% e 2,5%.
🔎O arcabouço é a regra de
controle das contas públicas em vigor desde o ano passado.
Segundo o governo, a nova regra que
limita o crescimento do salário mínimo pode gerar uma economia de R$109,8
bilhões entre 2025 e 2030, mas vai impactar principalmente aposentados,
pensionistas e beneficiados por programas sociais vinculados ao mínimo.
Benefício de
Prestação Continuada (BPC)
A proposta enviada pelo governo
endurecia as regras de acesso ao BPC. Mas o texto final, aprovado pelas duas
Casas, flexibiliza as mudanças.
🔎O BPC é um direito da pessoa
com deficiência e do idoso com 65 anos ou mais de receber um salário mínimo por
mês se não tiver condição de se sustentar ou ser sustentado pela sua família.
Como é hoje: atualmente, têm direito ao benefício a pessoa com deficiência ou o
idoso com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a um quarto do
salário-mínimo.
O governo havia enviado para o
Congresso a definição de que pessoa com deficiência é aquela incapacitada para
a vida independente e para o trabalho.
✅Como ficará: aA redação aprovada diz que a concessão do BPC fica sujeita à
avaliação que conclua que o beneficiário tem deficiência de grau moderado ou
grave e mantém a definição, mais ampla, prevista hoje na legislação para pessoa
com deficiência.
Esse trecho deve ser vetado pelo
governo no momento da sanção, segundo acordo costurado pelo relator e pelo
líder do governo na Casa.
❌Outro trecho retirado era o que
impedia que pessoas ou idosos com posses ou propriedades de bens, inclusive de
terra nua, que superassem o limite de isenção referente ao seu patrimônio, não
poderiam receber o BPC.
✅A renda do cônjuge e
"companheiro não coabitante" — aquele que não mora junto — deixa de
entrar no cálculo de renda familiar para ter acesso ao benefício, como na
proposta do governo.
Na prática, o Congresso limitou o
conceito de família, antes ampliado pelo governo, o que tornaria menos pessoas
elegíveis ao benefício.
✅Foi mantida na proposta a obrigação
de que o cálculo de renda familiar para receber o benefício deve considerar a
soma dos rendimentos brutos mensais dos membros da família que vivem na mesma
casa, o que hoje não é previsto.
❌Mas retirou do texto do governo a
previsão de que eventual renda recebida por outro idoso a titulo de
aposentadoria ou BPC fosse considerada nesse cálculo, o que permite que duas
pessoas da mesma família continuem recebendo o benefício.
✅O Congresso também manteve a
obrigatoriedade de atualização para cadastros desatualizados há mais de 24
meses.
✅As Casas incluíram um dispositivo na
proposta para vincular o pagamento do benefício às regras estabelecidas.
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Biometria para
programas sociais
O projeto também obriga que os
cidadãos tenham cadastro biométrico para receber e manter benefícios da
seguridade social, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC),
aposentadoria e pensão.
➡️Atualmente, essa exigência existe apenas para o
BPC, por força de uma portaria do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
➡️Com a PEC, os beneficiários de programas ou
benefícios federais de transferência de renda, como o Bolsa Família, deverão
ter cadastro atualizado, no máximo, nos últimos 24 meses para receber ou manter
o recebimento do dinheiro.
Conforme o projeto, em áreas remotas
ou em razão de idade avançada e estado de saúde não será exigida a biometria
para manutenção de benefícios da seguridade social e de programas de repasses
do governo, enquanto o Poder Público não fornecer condições para realização do
cadastro biométrico, inclusive por meios tecnológicos ou atendimento
itinerante.
O projeto original determinava que as
famílias fossem avisadas de eventuais irregularidades 90 dias antes da
suspensão dos pagamentos. O Congresso ampliou esse prazo, permitindo a
renovação por mais 90 dias antes da suspensão.
Supersalários do
funcionalismo
Faz parte também do pacote uma
proposta de emenda à Constituição (PEC), promulgada pelo Congresso mais cedo
nesta sexta.
Um dos pontos da PEC disciplina o
pagamento de supersalários no funcionalismo público.
▶️Como é hoje: pela lei, nenhum servidor público pode ganhar mais do que o salário de
um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2025, esse valor será de R$
46,3 mil.
Mas, na prática, alguns servidores
adicionam verbas indenizatórias aos seus salários e ganham acima desse teto.
▶️Como ficará: a PEC estabelece que verbas indenizatórias terão de ser contabilizadas
dentro do limite de salários.
Também determina que eventuais
exceções à regra do teto salarial somente poderão ser definidas por meio de uma
lei comum, aprovada pelo Congresso, com alcance nacional, e aplicada a todos os
Poderes e órgãos autônomos.
A proposta enviada pelo governo havia
estipulado que as exceções teriam de ser estabelecidas por meio de uma lei
complementar — de mais difícil aprovação pelo Congresso.
A estratégia foi adotada para
aproveitar um projeto de lei comum sobre o tema que já foi aprovado pela Câmara
e aguarda votação no Senado.
Atualmente, a Constituição define que as ressalvas também podem ser decididas por
lei comum, sem proibir que outros entes legislem a respeito.
💲As verbas indenizatórias
ficaram conhecidas popularmente como penduricalhos. Abrangem uma série de
benefícios e auxílios concedidos a servidores, como o auxílio-moradia.
💲Ao serem classificados nesta
categoria, os valores não estão sujeitos ao teto remuneratório e ao Imposto de
Renda. Para inflar salários de servidores acima do limite, em um
"truque", órgãos públicos concedem penduricalhos.
Para atender a pleitos dos
servidores, que fizeram campanha contra a medida proposta pelo governo, o
Congresso propôs uma medida para assegurar que beneficiários dos supersalários
sigam recebendo os penduricalhos enquanto não for sancionada uma lei com as
exceções.
Parlamentares avaliam que, na
prática, enquanto não existir uma norma sobre o que deve ficar fora do teto,
tudo continuará igual.
Abono salarial
O abono salarial é um ponto
importante da PEC, que não foi modificado pelo Congresso em relação ao texto
enviado pelo governo.
Abono salarial é uma espécie de 14º
salário pago pelo governo a trabalhadores pobres. A PEC busca restringir
gradativamente quem tem direito a esse benefício.
▶️Como é hoje: o abono é pago anualmente, no valor de até um salário mínimo, a
trabalhadores que:
·
receberam até dois salários mínimos no ano-base do abono;
·
trabalharam com carteira assinada por ao menos 30 dias no ano-base.
▶️Como vai ficar: A PEC muda isso e vai estabelecendo uma regra de transição.
Em 2025, a PEC estabelece que, para
ter direito ao benefício, o trabalhador terá de ter recebido dois salários
mínimos do ano-base, que será 2023 (equivalente a R$ 2.640).
A partir de 2026, o valor para ter
acesso ao BPC será corrigido pela inflação. Por outro lado, o salário mínimo
terá ganho real (acima da inflação, seguindo as regras do arcabouço fiscal).
A regra de transição vai chegar a um
ponto em que, para ter acesso ao abono salarial, o trabalhador só poderá ganhar
um salário mínimo e meio. Ou seja, o acesso ficará mais restrito.
O Ministério da Fazenda projeta
economizar R$ 100 milhões em 2025. Nos próximos anos, a economia subirá para R$
600 milhões, em 2026; e R$ 2 bilhões em 2027.
Desvinculação de
receitas
O texto prorroga, até 2032, a
desvinculação de parte das receitas da União.
🔎 vinculação constitucional é
a obrigação de que um patamar mínimo (piso) de recursos deve ser destinado a
uma determinada área. É o que ocorre, por exemplo, com o piso da educação e da
saúde.
▶️Como era: governo podia gastar livremente 30% da arrecadação de impostos e
contribuições sociais. Mas não podia gastar como bem entendesse receitas
patrimoniais, que incluem, por exemplo, dividendos, royalties e e verba de
concessões, que têm destinação específica.
▶️Como fica: dividendos, royalties e verbas de concessões poderão ser usados de
forma livre.
Outro instrumento previsto na PEC
prevê que, até 2032, a criação ou prorrogação de vinculação constitucional de
receitas terá de seguir a regra de crescimento de despesas do arcabouço fiscal
— entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.
A medida, proposta pelo governo e
aprovada pelo Congresso, prevê que, por exemplo, mudanças futuras nesses pisos
não poderão elevar os gastos acima do limite do arcabouço.
O texto ainda prevê que o governo
poderá limitar subsídios e benefícios financeiros durante a execução
orçamentária.
Freio nos gastos
De acordo com o texto, em caso de
déficit primário, ficará proibida a concessão, ampliação ou prorrogação de
incentivos ou benefícios tributários.
A medida será adotada no ano seguinte
ao que for registrado rombo nas contas do governo. E só poderá ser interrompida
quando houver superávit primário.
🔎 O déficit primário ocorre
quando receitas com tributos e impostos ficam abaixo das despesas do governo,
sem considerar os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Já o
superávit primário ocorre quando as receitas com impostos ficam acima das
despesas – também desconsiderando juros da dívida.
O resultado negativo nas contas
também será o estopim para acionar limites ao aumento de gastos do governo com
pessoal (salários e encargos sociais, por exemplo, de servidores ativos,
inativos e pensionistas).
📈 Segundo a proposta, até
2030, estas despesas não poderão ter crescimento superior ao piso de reajuste
das despesas permitido pelo arcabouço fiscal — 0,6% ao ano acima da inflação.
➕ Caso seja acionada, a medida vai
afetar os Três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário —, Ministério
Público, Defensoria Pública, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Tribunal de
Contas da União (TCU).
🚫 Não serão afetados, porém,
aumentos concedidos por ordem judicial.
🔔 Em caso de calamidade
pública, as limitações poderão ser desrespeitadas.
Os "gatilhos" para frear
benefícios tributários e gastos com pessoal também poderão ser acionados quando
houver, a partir de 2027, maior comprometimento do Orçamento com despesas que o
governo não tem como driblar — classificadas como obrigatórias.
O aumento das despesas obrigatórias
diminui a fatia de dinheiro livre — as chamadas despesas discricionárias — para
investimento do governo em políticas públicas e obras, por exemplo.
Além de tudo isso, o projeto
estabelece que gastos com criação ou prorrogação de benefícios da seguridade
social terão de estar limitados a um crescimento entre 0,6% e 2,5% acima da
inflação — as regras do chamado arcabouço fiscal.
Derrubada do DPVAT
Os parlamentares revogaram a
recriação do DPVAT — agora batizado de Seguro Obrigatório para Proteção de
Vítimas de Acidente de Trânsito (SPVAT).
O ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, se reuniu nesta quinta com o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e líderes, antes da votação.
Segundo Padilha, o governo concordou
com o cancelamento do DPVAT porque governos estaduais alegaram que não fariam a
cobrança. Então, desta forma, não haveria "receita garantida" do
seguro.
Na Câmara, a derrubada do novo DPVAT
foi um dos principais embates entre deputados ao longo da noite de terça (17) e
da tarde desta quarta (18).
🔄A medida havia sido incluída
e, posteriormente, retirada do parecer de Átila Lira (PP-PI), o que levou
deputados da oposição a acusarem lideranças do Palácio do Planalto de quebrar
acordos.
O DPVAT havia sido extinto no governo
do presidente Jair Bolsonaro (PL). Neste ano, depois de mobilização da equipe
econômica do Planalto, o Congresso aprovou — e o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) sancionou — a volta do seguro obrigatório.
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